Que a legislação ambiental é confusa, pouco clara, mal interpretada e alterada a todo tempo já o sabemos. O problema se agrava, contudo, quando os próprios órgãos ambientais são os atores que contribuem para a instabilidade não aplicando, ou mal interpretando a própria legislação que editam. E o pior: quando adotam, como solução para o problema por eles mesmo causado, a punição, a reprimenda e a aplicação insaciável de multas ambientais. Esse é o contexto subjacente à famigerada licença ou autorização de exportação de produtos e subprodutos de origem florestal que vem causando graves prejuízos ao setor florestal paraense. Explico.
Os procedimentos para exportação de produtos e subprodutos madeireiros de espécies nativas foram inicialmente estabelecidos pela IN nº 15/2011-IBAMA, alterada depois pela IN nº 13/2018-IBAMA, que definiu a obrigatoriedade de obtenção de autorização prévia pelo órgão ambiental, no local de exportação, para envio de cargas de produtos e subprodutos florestais de origem nativa ao estrangeiro.
Com a criação do SINAFLOR pela IN nº 21/2014-IBAMA editada para dar cumprimento ao art. 35 da Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), previu-se depois a obrigatoriedade de DOF específico para a exportação de produtos e subprodutos florestais (DOF exportação). Com isso, não só advogados e empresas, mas também muitos técnicos e analistas do Ibama passaram a entender que teria ocorrido uma revogação tácita da IN nº 15/2011-IBAMA pela IN nº 21/2014-IBAMA, pois não faria sentido nenhum exigir-se dois documentos diferentes com o mesmo propósito, mormente se se considerasse que esse acréscimo de burocracia teria como consequência o represamento de carga, ante a falta de capacidade operacional do órgão de processar os pedidos de autorização para exportação.
Em algumas superintendências regionais, a despeito do conflito interpretativo, os dois documentos eram emitidos. Todavia, no caso específico da superintendência do Estado do Pará, o maior estado exportador do país, a exigência da autorização para exportação praticamente implodiu o funcionamento do órgão, levando os analistas ambientais a adotarem o entendimento de que apenas o DOF exportação seria suficiente para autorizar a exportação.
Esse conflitou perdurou até 2020, ocasião em que o Presidente do IBAMA editou o Despacho Interpretativo nº 7036900/2020-GABIN estabelecendo interpretação no sentido de que se a carga a ser exportada estivesse acompanhada de DOF exportação e não se tratasse de produtos derivados de espécies listadas na CITES ou ameaçadas de extinção, não seria necessária a autorização específica para exportação prevista na IN nº 15/2011-IBAMA.
Quando se pensou, então, que o problema finalmente estava resolvido, não bastando toda a complexidade normativa envolvida na matéria, em 2021 o STF decidiu, ao apreciar a Petição nº 8.975 (PetDF), reestabelecer os efeitos da IN nº 15/2011-IBAMA e complicar ainda mais o que já era complicado. Para dar cumprimento à medida cautelar proferida pelo STF, o IBAMA modulou novamente sua interpretação e estabeleceu que se a carga foi exportada: (i) no período de 07/12/2011 a 24/02/2020, era exigível a autorização de exportação; (ii) no período de 25/02/2020 a 18/05/2021, aceitava-se o DOF exportação, desde que não fossem espécies listadas na CITES ou ameaçadas de extinção; (iii) a partir de 19/05/2021 até o momento, era exigível novamente a autorização de exportação.
Só que sem se atentar aos efeitos práticos da sua decisão, o STF e o IBAMA transformaram novamente todo o setor florestal brasileiro, especialmente a indústria paraense, em passageiros da agonia. Isto porque, a despeito de ter criado uma exigência documental, o IBAMA não providenciou a estrutura necessária para ele próprio processar os milhares de pedidos de autorizações de exportação que chegavam diariamente. Na prática, isso obrigou muitos exportadores a enviarem carga para o exterior sem ter obtido a referida autorização, embora a tivessem solicitado antes do embarque. O STF, por outro lado, ao restabelecer a exigência dessa autorização obtusa, empurrou para ilegalidade milhares de empresas que exportaram produtos ou subprodutos florestais e que protocolaram previamente os seus pedidos de autorização para exportação.
Em virtude disso, centenas de empresas estão sendo hoje surpreendidas com autuações por exportações realizadas no período de 07/12/2011 a 24/02/2020 e, mais gravemente, quando o próprio órgão ambiental sustentava que era suficiente o DOF exportação para se desobrigar de processar os incontáveis pedidos de exportação, no caso específico da superintendência do IBAMA no Pará.
Tenho sustentado, a esse respeito, a inconstitucionalidade material da IN nº 15/2011-IBAMA por ofensa às garantias constitucionais de petição (artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”), de segurança jurídica (artigo 5º, inciso XXXIV), e ao princípio da livre iniciativa (artigos 1º, inciso IV, e artigo 170, caput), todos inscritos na Constituição Federal, exatamente porque não se previa um prazo para processamento e conclusão dos pedidos de autorização de exportação. No caso da Supes/PA, à propósito, existem pedidos datados de 2019 sendo concluídos e encaminhados para a fiscalização em 2023, quatro anos após o seu protocolo, para lavratura de auto de infração.
Curiosamente, a IN nº 77/2005-IBAMA, que antecedeu a IN nº 15/2011-IBAMA definia, em seu art. 2º, que o despacho de exportação deveria ser formalizado junto ao órgão com até 48 horas de antecedência do embarque da carga, com vistas à sua inspeção e liberação, previsão esta que parece ter sido maliciosamente eliminada depois, ante as óbvias dificuldades operacionais que o IBAMA teria para cumprir esse prazo.
Seja como for, é sempre importante relembrar que o princípio da livre iniciativa é um pilar central da ordem econômica, e assegura que as empresas e indivíduos possam criar, investir, produzir, comercializar bens e serviços, competir no mercado e tomar decisões empresariais sem a interferência arbitrária, excessiva, claudicante e imprevisível do Estado. Sem dúvida que esse é o maior desafio enfrentado pelo setor.
Ian Pimentel
Doutorando e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Coimbra. Mestre em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Professor da Universidade da Amazônia – UNAMA.
Advogado e sócio fundador do Pimentel, Ribeiro & Borges Advocacia.